Tive há tempos uma burra,
Ora mansa, ora brava,
Ensaiei-lhe forte surra
Mas a burra não andava.
Granjeei-a no mercado
Para as minhas precisões
Mas fui logo enganado
Num negócio a feijões.
Fui no conto do vigário,
Numa falsa reinação,
Minha vida ao contrário
Só me traz desilusão.
Foi lustrosa e refinada
Na courela de um marquês
E agora desempregada
Já não tem nenhum freguês.
Àquela infeliz burreca,
Meia parda, meia verde,
Emborquei-lhe uma bejeca
E saltou-me p´ ra parede.
Parecia uma jumenta
Não sabia trabalhar
Espargi-a de água benta
Pôs-se logo a zurrar.
Mui velhaca esta burrica
Rejeitava comer palha
Pelos vistos é bem rica
E eu pobre, Deus me valha.
Ia
o tempo e a burranca
Não
fazia seu serviço
Outro
dia fez-se manca,
Não
há quem lhe dê sumiço?
Não gostava da carroça
E dava coices para o ar
Castiguei-a numa choça
E comida nem pensar.
Tive
pena desta mula
Não
sabia o que fazer
Para
lhe matar a gula
Dei-lhe
figos a comer.
Quem souber da felizarda
E lhe queira dar ousio
Arreatem-lhe
uma albarda
Para um novo desafio.
Se a pileca não engata
Nunca
trote lá na frente
Pegue
a burra p´ la arreata
Vá
a pé com toda a gente.
Se tiver dificuldade
Compre-lhe umas
ferraduras
Morrerá de velha idade
Como as santas
criaturas.
Esta
trova metafórica
Não
tem nada de política
Tem
pimenta e retórica
E
até alguma crítica.
Eis a estória-brincadeira
Desta Burra da Arrochela,
De um lugar de
Nespereira,
Vivendo à boa-vai-ela!
Frassino
Machado
In
CANÇÃO DA TERRA