quinta-feira, 4 de junho de 2015

MONTANHA SAGRADA



                         “Às três Senhoras do Monte”

No alvorecer daquela fresca madrugada
Com cintilante e claro sol a despertar
Alcandorei suando, com a alma a latejar,
O alto cume desta montanha sagrada.

Em granítica ermida, meio abandonada,
Vestida dum silêncio calmo de admirar
Ali estão três Senhoras prontas a chamar
Por todos os romeiros co´ a vida angustiada.

Senhora do Carmo, da Conceição e da Piedade,
Três nomes de Maria, p´ la brisa recolhidos,
Recriaram-se em mim com toda a ansiedade
Queimando d´ emoção os meus próprios sentidos.

Senhoras minhas, que me tendes aprisionado
Nas marés-vivas desta humana comoção,
Aqui, perto do céu, sentindo-me extasiado
Quero deixar-Vos minha sincera oração.

Pressentindo à minha volta marginais estragos
Também agora Senhoras - Senhoras da bonança -
Neste solitário Monte, que à alma dá afagos,
Peço p´ ro meu País uma paz e uma esperança!


Frassino Machado
In LIRA SUBMERSA


O SEGREDO DO ABADE



                           “Em trovas românticas”

Contou-me pela tardinha
Uma mulher de Guardizela
Que lhe contaram a ela
Esta lenda tão velhinha.

Venha ver, meu caro senhor,
No chão a placa pisada
Dizem que ali enterrada
Jaz uma história de amor.

Está fora do campo santo
E ninguém sabe porquê
O nome já mal se vê
Mas é p´ ro povo um espanto. 

Aqui na aldeia viveu
Há muito tempo passado
Um tal barão abastado
Que na guerra se perdeu.

Quando os franceses chegaram
À sua casa e aos quintais,
Galinheiros e coisas mais
A toda a gente limparam.

Foi tão grande a confusão
Que a criada, meia tonta,
Fugiu e ninguém deu conta
Com uma menina p´ la mão.

Dizem que era do fidalgo
A criança que ela levava
E por tudo procurava
Conseguir pô-la a salvo.

Saber já nunca se há-de,
Se era dos dois a menina
Chegando, depois da matina,
Ao pardieiro do abade.

Como era de madrugada
E se via bastante mal
Concluiu que era o passal
E não ficou descansada.

Estava ela assim pensando
Quando o abade a descobriu
E, ao vê-la, logo sorriu
Sua criança acarinhando.

- És tu, Mariana infeliz,
De quem é esta menina
Ainda tão pequenina
Que à tua sorte condiz?

- Filha minha, senhor prior,
Mas eu tenho muito medo,
Se descobrem o meu segredo
A desgraça será maior…

- Não temas, ó rapariga,
Teu segredo fica comigo
Apenas a Deus o digo
Pra que ninguém te persiga.

- Ficas cá, como criada,
Se alguém notar eu direi
Que a menina que criei
É minha filha adoptada.

- Senhor prior, senhor prior,
Tirou-me de mim este peso
E o fidalgo que está preso
Não saberá minha dor.

- Se ele qualquer dia voltar
Eu logo desapareço
E assim a Deus agradeço
Por, finalmente, a salvar.

Aqui tem a estranha história
De um segredo de espantar
Que nunca se há-de apagar
Nesta aldeia com memória.

Logo que a guerra acabou
Soube-se p´ la voz do vento:
A menina foi p´ ro convento
E o tal fidalgo se matou.

Mariana, deu em demente
Passando as horas a fio
Debaixo do sol ou ao frio
Partindo pauzinhos ausente.

Este segredo é mistério:
O abade ficou na lenda
Sem a divina reprimenda
P´ ra tão grande vitupério!

Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA


terça-feira, 12 de maio de 2015

SONETO-EPIGRAMA ANTI-FASCISTA


Na Foto - Mercado das vacas, em Vila de Touro, anos sessenta.

Nas lusas terras do interior -
Por alturas da guerra colonial -
Era comum e muito natural
Ir vender o seu gado, à maior
Burros e cabras, ovelhas e vacas,
Pregões de boca, guardas e patacas,
Copos de três, aguilhões a rigor.

- Tem aí, ti Manel, sua licença?
- Menos de meia polegada há-de ter,
Se não o tiver, terei já de o prender…
A bem ou a mal aqui vai esta avença!
- Ah, guardas dum cabrão, vindes cá roubar?
- Não cair ele um raio nos c. de Salazar…
Tomai lá, que vos faça boa mantença!

(E o pobre do ti Manel co´ a cabeça louca
Ficou a praguejar, co´ o credo na boca!...)


Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA